(21) 98146-0203
Dra. Liliane Peixoto

Dra. Liliane Peixoto

Dra. Liliane Peixoto

Explanar sobre a saúde do Trabalhador é sempre um grande prazer! Esse é um tema apaixonante e abordado com muita propriedade na minha pesquisa do Mestrado Saúde da Família, afinal, quando temos trabalhadores saudáveis, temos famílias saudáveis e seguras no aspecto socioeconômico, o que repercute de modo direto no bem estar e avanço do nosso País!

A Saúde do Trabalhador é ainda um tema repleto de curiosidades, lutas e de esperança! Portanto, para quem gosta de uma boa história real, convido a mergulhar na História da Saúde do Trabalhador no Mundo e no Brasil e logo em seguida, vamos discutir sobre o Perfil Epidemiológico da Saúde do Trabalhador.

OBS: O assunto abordado nesse item foi destacado da Pesquisa apresentada pela Dra. Liliane Peixoto Cavalcante Barbosa (2016) no Mestrado Saúde da Família e encontra-se integralmente no site http://portal.estacio.br/media/922738/liliane-peixoto.pdf

Pesquisa “O Perfil Socioclinico-Demográfico de Usuários dos Centros de Referência de Saúde do Trabalhador (CEREST) da Cidade do Rio de Janeiro”.

A HISTÓRIA DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO MUNDO E NO BRASIL

As relações entre o ambiente e o processo saúde-doença dos indivíduos estão registradas ao longo da história humana. No “Tratado dos ares, das águas e dos lugares”desenvolvido pelo filósofo grego Hipócrates, que viveu no século IV A.C., o autor atribui a origem das doenças aos humores e vapores presentes no am­biente, incluindo os ambientes de trabalho. Esse conceito foi superado, no século XIX, a partir do reconhecimento do papel das bactérias na causa das doenças, o que reorientou as crenças de saúde, muitas delas ainda vigentes. Porém, com a industrialização na época acelerada e suas consequências sobre o desenvolvimento desenfreado de males, agravos e óbitos laborais, que marcaram o século XX, os temas que marcaram a constituição da Medicina Social fo­ram retomados.

Na determinação do processo saúde-doença e da qualidade de vida da popu­lação, é interessante incluir os ensi­namentos e recomendações do médico italiano Bernardino Ramazzini, vivido no início do século XVIII, que naquela época já afirmava que todo médico devia indagar sobre a “ocupação” do paciente, completando assim a “anamnese” com a “história profissional ou ocupacional”, para chegar às causas ocasionais do mal e “obter uma cura mais feliz”.  Dessa forma, agrega-se à abordagem fundamentada nos ensinamentos de Hipócrates, baseada na informação sobre a “ocupação” ou “profissão” do paciente e no raciocínio epidemio­lógico, possibilitando a construção e análise dos “perfis epidemiológicos” de adoecimento, inca­pacidade ou morte relacionados ao perfil produtivo, que não eram considerados até aquele momento (DIAS et al., 2012).

DIAS et al. (2005) e LOURENÇO et al. (2007) detalharam que a preocupação com a saúde dos trabalhadores surgiu no século XVIII, com a Revolução Industrial na Inglaterra. Isso ocorreu em virtude dos altos índices de acidentes e doenças relacionadas com o trabalho, pelas péssimas condições em que os funcionários trabalhavam, causando enorme prejuízo às empresas e a vários setores de trabalho. Sendo assim, surgiu a necessidade de contratar médicos para avaliar as condições às quais os trabalhadores eram submetidos e também com o propósito de intervir quando necessário, sempre cuidando do bem-estar e prevenindo possíveis lesões e acidentes laborais. No século XX, após as duas guerras mundiais, outros profissionais se juntaram à equipe médica para a prática da saúde ocupacional, atuando também na higiene, ergonomia e segurança no trabalho, iniciando assim um processo de abordagem multidisciplinar na ST. Recentemente, nos anos 1950, com as políticas públicas de Estado de bem-estar social, houve principalmente na Europa novas preocupações em garantir saúde e qualidade de vida dentro dos ambientes de trabalho.

Na Itália ocorreu o movimento da Reforma Sanitária, na qual os trabalhadores conduziram uma luta por melhores condições de trabalho e de vida, e a partir desse movimento o Brasil, nos anos 70, passou a ter interesse sobre as questões trabalhistas, no final da ditadura militar e redemocratização do país. Assim, com o engajamento de trabalhadores e sindicatos, foram incluídas na agenda da Reforma Sanitária Brasileira questões ligadas à ST, principalmente na busca de garantir atenção integral à saúde, havendo inclusive a incorporação do Programa de Saúde do Trabalhador (PST), desenvolvido na rede pública de saúde, em sindicatos e hospitais universitários para identificar a causa do adoecimento em relação ao trabalho e atuar nas questões de saúde-doença laborais. A década de 1980 é um marco histórico para a ST, pois nessa época o trabalhador passa a ser reconhecido como sujeito possuidor de saber, e se tem como pressuposto a participação dos trabalhadores no processo de avaliação e controle dos acidentes de trabalho, além de reconhecer outras causas para os sofrimentos físico e mental, relacionando-as com o processo produtivo e não apenas aos fatores químicos ou biológicos (DIAS et al., 2005; LOURENÇO et al., 2007).

Lourenço et al. (2007) ressaltaram que no Brasil, após a VIII Conferência Nacional de Saúde, em março de 1986, na qual foi garantido que a saúde era direito do cidadão e dever do Estado, ocorreu a I Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador. Além da supracitada determinação pela Constituição Federal de 1988, a competência do SUS para a ST também é citada em dez dispositivos da lei de concepção do SUS — Lei nº 8.080/90, definida no art. 6º.

A saúde do trabalhador é um direito previsto nas competências do SUS, possui caráter intrassetorial que abrange a atenção primária, secundária e terciária em saúde, como também a Previdência Social, Ministério do Trabalho, Sindicatos e Meio Ambiente, abordando a interdisciplinaridade e a participação dos trabalhadores. Essas ações devem ser desenvolvidas em conjunto com representantes da sociedade civil, como o trabalhador; e organizações sindicais, por envolver políticas econômicas relacionadas a indústria, comércio, produção agrícola e autônomos, garantindo assim a participação dos trabalhadores para promoção e prevenção de condições de trabalho seguras e saudáveis (OLIVAR, 2010; BRASIL, 2006).

No cenário das mudanças políticas e sociais ocorridas nas décadas de 1980 e 1990 e no contexto da Reforma Sanitária, as questões trabalhistas e a atenção à saúde dos trabalhadores sofreram reformulações importantes e pontuais. Entre essas, destaca-se a introdução da área da ST na abrangência da Saúde Pública. Até o momento, a saúde no Brasil era um benefício previdenciário dos contribuintes ou um serviço pago na forma de assistência médica, ou ainda um ato de misericórdia às pessoas que não tinham acesso à previdência, que não tinham recursos para pagar a assistência privada, prestada por Santas Casas. Com isso, apesar da década de 1980 ter sido considerada “uma década perdida” do ponto de vista político e ideológico, foi de grande importância e marco inicial para a consolidação da luta dos trabalhadores e da sociedade brasileira pela democracia.

Os movimentos populares e a descentralização do poder do Estado tiveram um importante papel na história da democratização das políticas de saúde no país e nas organizações sociais. Inseriu-se a participação das pessoas nas tomadas de decisão que lhes competem por direito na elaboração e implantação das políticas públicas, cabendo ao Estado o poder de regulá-las. Há o consenso de que o SUS é uma das principais políticas de inclusão social e legislação que define controle social como o processo no qual a população participa, por meio de representantes, na execução e acompanhamento das políticas públicas de governo resultantes da negociação dos interesses de cada segmento, a favor dos direitos da cidadania e refletindo no conjunto de benefícios à sociedade (BRASIL, 2011).

A partir de 1990, várias portarias e leis foram criadas para garantir os princípios básicos do SUS, para o direito à saúde, abrangendo a participação popular e fortalecendo assim sua base. O direito a saúde e a vida engloba a proteção e promoção ao trabalhador, nos acidentes de trabalho, doenças e morte relacionada ao trabalho. O SUS é fundamental para manter, adequar e qualificar a rede de serviços públicos na saúde, pois assim conseguirá atender à demanda de trabalhadores integralmente, levando melhorias na qualidade de vida no trabalho, relações pessoais e sociais (LOURENÇO; BERTANI, 2007).

De acordo com Olivar (2010):

Com o advento do SUS e sua regulamentação por meio da Lei nº 8.080/90, no artigo 6º diz que ao SUS caberá atuar na saúde do trabalhador tanto na assistência, na vigilância e controle dos agravos à saúde relacionados ao trabalho, como na promoção da saúde, atribuições estas que, com a realização da II Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST), em março de 1994, ficam politicamente mais bem demarcadas (OLIVAR, 2010, p. 317).

 Dessa forma, os trabalhadores encontram-se protegidos quanto aos seus direitos à saúde de modo específico no que tange seus problemas relacionados às atividades laborais e fatores de riscos aos quais se encontram expostos, inclusive no que diz respeito às ações de promoção de saúde.

DIAS et al. (2005) demonstraram em seus estudos que os anos 1990 foram um marco importante para a saúde da classe trabalhadora. Nesse período, a Área Técnica de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde (COSAT) não poupou esforços para ampliar o processo de capacitação técnica para as ações de vigilância e para ações que beneficiassem a Atenção Básica da Saúde. Foram desenvolvidas e elaboradas normas, como por exemplo, a Norma Operacional de Saúde do Trabalhador (NOST), diretrizes e protocolos. Foram também desenvolvidos a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho e o Manual de Procedimentos. Dessa forma foi possível orientar as ações na rede de serviços de saúde quanto aos procedimentos adequados para a proteção da ST.

Os autores ainda ressaltaram que no ano de 2001 houve o importante desenvolvimento de indicadores da ST para o Sistema de Informação em Saúde, especialmente a Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA), além de uma proposta de Política Nacional de Saúde do Trabalhador, voltada para a sociedade. Esse desenvolvimento demonstrou uma preocupação que levou a avanços nos estudos e na prática em proporcionar recuperação às pessoas que adoecem por motivos ocupacionais. Embora o trabalho tenha sido árduo ao longo da história na implementação da garantia de direitos da ST no Brasil, as dificuldades não impediram o avanço desse setor. Em 1991, o Ministério da Saúde (MS) apresentou os CERESTs como alternativas para desenvolver ações voltadas a beneficiar a classe trabalhadora, além de uma atenção diferenciada à ST dentro do SUS e na II Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador em 1994. É importante destacar inclusive que a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST, 2004) atribui que a saúde dos trabalhadores é condicionada por vários fatores – sociais; econômicos; tecnológicos; organizacionais relacionados ao perfil de produção e consumo; e fatores de risco de natureza físicos, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos presentes nos processos de trabalho.

O perfil de morbimortalidade dos trabalhadores no Brasil caracteriza-se atualmente pela coexistência de agravos relacionados às condições de trabalho específicas, como os acidentes de trabalho típicos e as “doenças profissionais”, que são doenças que têm sua frequência, surgimento ou gravidade modificados pelo trabalho, também denominadas “doenças relacionados ao trabalho” e as doenças comuns ao conjunto da população, que não guardam relação de causa com o trabalho, mas condicionam a saúde dos trabalhadores podendo contribuir ou não com as doenças ocupacionais.

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA SAÚDE DO TRABALHADOR

O perfil epidemiológico do adoecimento dos trabalhadores traduz-se no aumento da prevalência de doenças relacionadas ao trabalho, como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), que correspondem a cerca de 80% dos casos nos CERESTs. Surgem com apresentação mal caracterizada, como estresse, a fadiga física e mental e outras expressões de sofrimento relacionadas ao trabalho. Ainda observa-se que essas novas formas de adoecimento convivem, no Brasil, com as doenças profissionais clássicas, como a silicose, as intoxicações por metais pesados e por agrotóxicos (MS, 2004; DIAS et al., 2005). As LER/DORT são atualmente a maior demanda aos Centros e isoladamente a maior causa de emissão de Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) do Ministério da Previdência Social (OLIVEIRA, 2001).

O perfil epidemiológico do adoecimento dos trabalhadores traduz-se no aumento da prevalência de doenças relacionadas ao trabalho, como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), que correspondem a cerca de 80% dos casos nos CERESTs. Surgem com apresentação mal caracterizada, como estresse, a fadiga física e mental e outras expressões de sofrimento relacionadas ao trabalho. Ainda observa-se que essas novas formas de adoecimento convivem, no Brasil, com as doenças profissionais clássicas, como a silicose, as intoxicações por metais pesados e por agrotóxicos (MS, 2004; DIAS et al., 2005). As LER/DORT são atualmente a maior demanda aos Centros e isoladamente a maior causa de emissão de Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) do Ministério da Previdência Social (OLIVEIRA, 2001).

Negri et al. (2014) em seu estudo sobre o perfil sociodemográfico e ocupacional de trabalhadores com LER/DORT apontaram que no Brasil os dados epidemiológicos registrados não refletem a totalidade dos trabalhadores, referindo-se apenas aos trabalhadores do mercado formal, que representam menos de 50% da população economicamente ativa. Apesar disso, observa-se alta incidência, o que confere um caráter epidêmico.

Em pesquisa realizada no CEREST de Piracicaba, no estado de São Paulo, foram analisados os dados: local de residência, gênero, idade, estado civil, grau de instrução, renda mensal, função, exposição a fatores e determinantes de risco, queixa principal e local da dor, sendo realizada a análise descritiva dos dados. As características sociodemográficas e ocupacionais de trabalhadores com LER/DORT identificadas no estudo apontam que existe predomínio de disfunções musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho em mulheres, na idade produtiva, com baixo grau de instrução e baixos salários, que atuam principalmente nas funções de doméstica, cozinheira, serviços gerais, auxiliar de produção e costureira.

As trabalhadoras mulheres são duas a cinco vezes mais propensas do que os homens a relatar disfunções musculoesqueléticas e esse predomínio se justifica pela dupla jornada (no trabalho e em casa), aumentando a exposição aos fatores de risco. O predomínio de LER/DORT entre 30 e 49 anos reafirma que as doenças ocupacionais atingem trabalhadores na faixa etária de maior produtividade e experiência profissional, que corresponde à faixa economicamente ativa da população. Os autores ainda explicam fisiologicamente que os achados de LER/DORT são altos pela própria biomecânica da maioria das tarefas, pois os movimentos repetitivos, permanência na postura em pé ou sentada de forma estática, com flexão ou extensão da coluna cervical durante longos períodos somados a presença de pressão temporal e estresse, jornadas de trabalho excessivamente longas, com pausas insuficientes, se caracterizam como fatores de risco.

Posturas estáticas mantidas por longos períodos estimulam respostas mecânicas que incluem deformação do tecido conjuntivo e aumento da pressão intramuscular, podendo afetar mecanicamente o fluxo sanguíneo muscular. Quando essa pressão é mantida em nível alto por períodos prolongados, como durante as contrações estáticas mantidas, o fluxo sanguíneo pode ser insuficiente, afetando a capacidade do músculo de produzir força. Além disso, disfunções da microcirculação muscular podem levar à sensibilização dos nociceptores e à presença de dor mesmo em repouso.

Negri (2010), em sua pesquisa sobre o perfil sociodemográfico e ocupacional no CEREST-Piracicaba/São Paulo, encontrou que entre os trabalhadores atendidos 69,2% são do gênero feminino e 30,8% do gênero masculino. A dor foi relatada em 100% da amostra, sendo 55,6% no membro superior, 17,8% no membro superior e coluna vertebral. No gênero masculino predominou a dor no membro inferior (60,0%), membro inferior e coluna vertebral (67,9%). A dor na coluna vertebral, isoladamente, incidiu similarmente em homens (53,9%) e mulheres (46,1%). A relação entre o determinante e fator de risco “organização e ergonomia do trabalho” (OET) e a presença de dor no membro superior observou-se em 63,26% dos trabalhadores, que apresentavam esse determinante relacionado à dor no membro superior apresentando hipótese diagnóstica de Síndrome do Túnel do Carpo (STC), na maioria das vezes em mulheres, com ensino fundamental incompleto e na faixa etária de 30 a 49 anos.

As disfunções musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho representam um dos grupos de doenças ocupacionais mais polêmicos, não sendo apenas uma exclusividade do Brasil, e constituem um problema mundial. Nos Estados Unidos, o custo anual associado com diagnóstico e cuidados com trauma musculoesquelético soma dezenas de bilhões de dólares. O National Research Council Institute of Medicine dos EUA (2001) demonstrou que a cada ano aproximadamente um milhão de pessoas se afasta do trabalho nos Estados Unidos por disfunções musculoesqueléticas, o que gera gastos estimados em 54 bilhões de dólares anualmente, um enorme impacto na economia do país.

As disfunções de membros superiores possuem uma extensa variação de sintomas e condições clínicas agrupadas sob termos como: lesão por esforço repetitivo, disfunções por trauma cumulativo e Síndrome de Overuse Ocupacional. No meio científico, a tendência mundial é utilizar a denominação Work Related Musculoskeletal Disorders (WRMD), traduzida no Brasil como Disfunções Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, segundo a Norma Técnica para Avaliação da Incapacidade Laborativa em Doenças Ocupacionais.

A Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, elaborada pelo MS em 2008, baseada na Portaria nº 1.339/GM, de 18 de novembro de 1999, aponta que doenças pouco atribuídas à relação com o trabalho também possuem crescente número entre os trabalhadores, e são frequentemente diagnosticadas, como: doenças infecciosas e parasitárias, neoplasias, doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, transtornos mentais, doenças do sistema visual e vestíbulococlear, doenças do sistema circulatório, respiratório, digestivo, doenças de pele, doenças do sistema gênito-urinário, além de envenenamentos e outras consequências de causas externas. Com essa nova realidade, o CEREST passou a receber clientela do setor informal e desempregados, além dos indivíduos encaminhados pela Previdência Social e Sindicatos, afetando a prática de saúde do CEREST e exigindo novos esforços, como na questão do sofrimento psíquico dos trabalhadores, aumentando ainda mais as dificuldades de atenção à ST no SUS.

Vale ressaltar que atividades raramente relacionadas com problemas ocupacionais também apresentam um crescente número de comprometimentos na ST embora sejam profissões que exigem alto nível de instrução. Auad (2010) expõe que historicamente os professores são os profissionais que mais apresentam alterações e necessitam de cuidados específicos na voz. Em 2007, foi apontado que 70% dos docentes apresentaram alterações de voz devido às condições de trabalho, 91,5% apresentaram alterações agravadas por fatores emocionais e 88,5% relataram limitação nas atividades diárias devido à alteração vocal.

Bassi et al. (2011) complementa dizendo que, embora pouco se fale, uma vez que a docência pertence às pessoas de alta escolaridade e melhor situação econômica, o professor, no processo de intensificação do trabalho, teria a sua saúde fragilizada e estaria mais susceptível ao adoecimento quanto à disfonia, que é um distúrbio de comunicação caracterizado pela dificuldade na emissão vocal provocando um impedimento na produção natural da voz. A doença se manifesta através da rouquidão, afonia, falhas na voz e dificuldade para falar em forte intensidade, interferindo no desempenho e assiduidade do professor, sendo causa de 20% das faltas e causa de afastamentos médicos e licenças. Destaca-se que essa população possui alto nível de escolaridade superior, o que já era esperado haja vista as exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, mas também trabalham em ambientes nocivos, com alto som e ruído, estresse e fadiga mental.

O Comitê de Foniatria da Sociedade Europeia de Laringologia sugere a utilização de um protocolo amplo para avaliação da disfonia, incluindo, entre outros fatores, avaliação perceptivo-auditiva, acústica e avaliação da autopercepção da alteração vocal por meio de protocolos de qualidade de vida. A maioria dos professores não foi orientada durante a formação e nem durante a carreira profissional sobre a sua dinâmica, fisiologia e sobre formas de autoproteção e risco e ainda há as carências quanto ao tipo de assistência especializada para avaliação e tratamento.

Campos (2013), ao estudar os fatores sociodemográficos e ocupacionais em profissionais de enfermagem, contribui demonstrando que os resultados obtidos com a realização dessa pesquisa possibilitaram identificar vários casos da ocorrência da Síndrome de Burnout nos enfermeiros e explicou que no Brasil a doença também é chamada de síndrome do esgotamento profissional ou de sensação de estar acabado e são transtornos psiquiátricos aos quais os trabalhadores que trabalham sob altos níveis de pressão estão vulneráveis, principalmente os que prestam cuidados diretos a outras pessoas, como no caso da equipe de enfermagem.

De Liz et al. (2014) chama atenção para a profissão dos policiais, ao dizer que o estresse no trabalho tem sido alvo crescente de pesquisas nos últimos anos e esteve associado a cerca de 50% a mais de risco dos empregados desenvolverem doenças coronarianas. Pouco se fala a respeito das condições de saúde de policiais, mas no Brasil a polícia militar é um forte exemplo de atividade estressora e correspondente a 70% dos agentes policiais no sistema de segurança. O nível de estresse dos policiais militares tem sido superior ao de outras categorias por trabalharem expostos a alto risco e pela sobrecarga de trabalho que sofre interferência das relações internas à corporação, que se fundamenta em hierarquia rígida e disciplina militar. Os profissionais ingressam na carreira pelo status da profissão e estabilidade do concurso público, porém, se deparam com a falta de reconhecimento, a percepção do risco, as perdas de colegas e o sofrimento mental. A avaliação e percepção dos policiais apontam eventos estressantes agudos, crônicos, baixos, médios ou altos. A mudança de turno de trabalho, por exemplo, pode levar a outros males, tais como mudanças no ritmo circadiano e dos padrões de sono, que afetam o bem estar físico e psicológico do policial.

Além dos fatores estressantes e desgastantes inerentes a certas profissões, ambientes nocivos e em condições perigosas, que expõem os trabalhadores a várias horas de trabalho na mesma situação, também são fortes candidatas a causarem ou agravarem as condições de saúde do indivíduo, como é o caso dos pintores. A exposição crônica a solventes está associada a queixas subjetivas, ligadas a funções cognitivas. Embora o exame neurológico seja aparentemente normal, os efeitos neuropsiquiátricos subclínicos tendem a ser precoces no histórico de exposição do trabalhador e as anormalidades neuropsicológicas incluem disfunções comportamentais, que estão comumente relacionadas às queixas de cefaleia, tontura, fadiga, parestesias, dor e fraqueza.

Os transtornos neuropsiquiátricos relacionados a exposições a neurotoxinas resultam em auxílios-doença, auxílios-acidente, aposentadorias por invalidez e pensões. O risco relativo de pensão por incapacidade decorrente dessa problemática é considerado mais alto entre trabalhadores expostos a solventes do que entre grupos não expostos. A exposição a solventes aumenta o risco de pensões precoces por transtornos neuróticos, e a hipótese é que, talvez, o fato desses trabalhadores apresentarem, na maioria das vezes, queixas inespecíficas impeça ou dificulte a associação com a exposição de riscos ocupacionais, como no caso dos solventes.

Por esse motivo, reforça-se a necessidade da avaliação do ambiente de trabalho para compreensão da relação saúde/doença-trabalho, além disso, deve haver uma discussão, com os trabalhadores envolvidos no processo de trabalho, estimulando a participação e com o objetivo de desenvolver propostas de educação e melhorias de condições de trabalho, divulgação de informações sobre os riscos laborais, consequências e as medidas de proteção. Essas propostas são válidas para todos os ambientes de trabalho e profissionais, pois é a única maneira de fato eficaz para a implementação de mudanças no ambiente e na organização do trabalho erradicando ou minimizando ao máximo os fatores de riscos identificados nos mais variados ambientes de trabalho (RAMOS et al., 2007).

O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) registra todos os agravos no território nacional fornecendo informações para a formação de perfil da morbidade, direcionando assim as ações em nível municipal, estadual e federal. É regulado pela Portaria Nº 777/GM de 28 de abril de 2004, dispondo sobre os procedimentos técnicos para a notificação em Serviços Sentinelas do Sistema Único de Saúde, Rede SUS. A Portaria Nº 777/GM de 28 de abril de 2004 determina que são agravos de notificação compulsória, para seus efeitos:

I – Acidente de Trabalho Fatal;

II – Acidentes de Trabalho com Mutilações;

III – Acidente com Exposição a Material Biológico;

IV – Acidentes do Trabalho em Crianças e Adolescentes;

V – Dermatoses Ocupacionais;

VI – Intoxicações Exógenas (por substâncias químicas, incluindo agrotóxicos, gases tóxicos e metais pesados);

VII – Lesões por Esforços Repetitivos (LER), Distúrbios Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT);

VIII – Pneumoconioses;

IX – Perda Auditiva Induzida por Ruído – PAIR;

X – Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho; e

XI – Câncer Relacionado ao Trabalho (BRASIL, 2004).

Segundo o IBGE, a População Economicamente Ativa (PEA) é composta por aproximadamente 85 milhões de trabalhadores. Destes, 23 milhões, ou seja, um terço, são cobertos pelo Seguro Acidentes do Trabalho (SAT). Estima-se que a cada ano mais de um milhão de trabalhadores sofrem algum tipo de acidente ou agravo relacionado ao trabalho (MS, 2004). Entre os anos de 1999 a 2003, a Previdência Social registrou 1.875.190 acidentes de trabalho, sendo que destes 15.293 tiveram o desfecho em óbito e 72.020 trabalhadores evoluíram para incapacidade permanente, o que resulta em uma média de 3.059 óbitos/ano entre os trabalhadores do setor formal segurados pelo SAT. O trabalho também chama a atenção para o coeficiente de mortalidade, pois no mesmo período os números foram alarmantes, atingindo coeficientes de 14,84 por 100.000 trabalhadores, o que justifica a atual e crescente preocupação com a matéria, englobando, além das suas atividades laborais em si, o ambiente de trabalho, que pode ser muitas vezes um local perigoso de exposição a riscos de adquirir doenças ocupacionais, podendo submeter inclusive essas pessoas a acidentes fatais (BRASIL, 2004).

Bezerra e Neves (2010), ao estudarem sobre o perfil da produção científica em ST, apontaram as necessidades de envolver de maneira mais profunda a sociedade com as questões relacionadas ao processo trabalho-saúde-doença. Os autores explicam que a ST é o campo de práticas e co­nhecimentos que emergiu da Saúde Coletiva, visando entender e intervir nas relações trabalho saúde-doença, possuindo como referência central o surgimento de um novo ator social: a classe operária industrial, em uma sociedade que vem sofrendo profundas mudanças políticas, econômicas e sociais.

Embora ainda não existam muitas pesquisas sobre o assunto quando comparamos com os demais temas abordados pela saúde coletiva, a produ­ção científica referente à ST nacional tem tido um aumento e mostra um crescimento da área compatível com a demanda de conhecimento dos gestores que atuam nas relações saúde-ambiente-trabalho, o que demonstra que há interesse por parte dos profissionais em fornecer atendimento especializado e eficiente, ainda que nem sempre seja possível, pela dificuldade de acesso a trabalhos científicos.

Os preferidos a serem consultados ainda são os periódicos, respec­tivamente, os Cadernos de Saúde PúblicaCiência & Saúde Coletiva e a Revista de Saúde Pública. As bases MEDLINE/PubMed e LILACS não possuem todos os trabalhos com seus textos completos e muitos títulos apresentam apenas os resumos, assim como não incluem as referências bibliográficas recebidas pelos arti­gos, dificultando a realização de estudos de citações, como se faz com as bases do Scientific Electronic Library On-Line (SciELO), que ainda permite a publicação ele­trônica de edições completas de periódicos científi­cos, a recuperação de textos por seu conteúdo e a preservação de arquivos eletrônicos, garantindo a acessibilidade e espelhando a produção científica brasileira na internet.

A produção em ST concentra-se na Região Sudeste do Brasil, o que é explicado pelo fato de haver maior quantidade de grupos de estudos e pesquisadores, além dos programas de pós-graduação nessa região, particularmente em São Paulo e Rio de Janeiro. É desejado que a avaliação de campos científicos na ST possa ir além dos limites das avaliações bibliométricas onde o periódico dá preferência à aceitação dos artigos submetidos, pois os efeitos sobre as políticas, ações de saúde e práticas devem ser alvo de avaliações mais com­pletas que ultrapassem essa barreira e forneçam mais evidências sobre o campo, a fim de conseguir modificar a realidade das relações saúde-ambiente-trabalho para uma situação cada vez mais segura aos trabalhadores baseada em fatos palpáveis e atualmente pesquisados.